MINHA VIDA DE MENINA
(Um painel social do interior do Brasil no final do século
XIX)
HELENA MORLEY (Alice Dayrell Caldeira Brant – 1880-1970)
Diário
escrito entre 1893 e 1895
— pouco depois da abolição do sistema escravista e da proclamação da República
no Brasil — e publicado
apenas em 1942.
1893: 18 de fevereiro
Tia Madge disse que Mestra Joaquininha
lhe falou que eu fui a aluna mais inteligente da escola dela, mas era vadia e
falhava dias seguidos. Isto é verdade, porque o ano passado fomos, muitas
vezes, passar dias com meu pai na Boa Vista. Não sei se sou inteligente. Vovó,
meu pai e tia Madge acham; mas só sei que não gosto de estudar, nem de ficar
parada prestando atenção. Em todo caso eu gosto que digam que sou inteligente.
É melhor do que dizerem que sou burra, como vai acontecer na certa, quando
virem que não vou ser, na Escola Normal, o que eles esperam. Hoje já vi o
jeito. Achei tudo difícil e complicado. O que me vale é que eu tenho facilidade
de decorar. Quando eu não puder compreender, decoro tudo. Mas no Português como
é que eu vou decorar? Análise, eu nem sei onde se pode estudar. Só daqui a dias
poderei saber como as coisas vão sair. Escrever não me vai ser difícil, pelo
costume em que meu pai me pôs de escrever quase todo dia. Duas coisas eu gosto
de fazer, escrever e ler histórias, quando encontro. Meu pai já consumiu tudo
quanto é livro de histórias e romance. Diz ele que agora só nas férias.
PROTAGONISTA (HELENA, dos 13 aos 15 anos de idade)
- Helena prefere os afazeres domésticos aos estudos. A escola é, em sua visão, um lugar em que se praticam mais maldades do que virtudes. Revela com naturalidade a prática da cola e chegou a repetir o primeiro ano da escola normal (1983). Não deixará de usar a cola, mas, para arriscar menos e se livrar de novas reprovações, aprendeu também a decorar os conteúdos.
- Bastante afeita à cultura moral e religiosa de seu tempo-espaço.
- Absorve o racismo de seu tempo e, nesse caso, sem qualquer tipo de condenação ética ou moral. Apesar disso, oferece ternura e afeto sincero aos negros recém-nascidos e, em várias oportunidades revelará, de modo ingênuo, seu incômodo com a cultura racista.
- Tem plena consciência do que é e procura driblar a inveja natural. Muitas vezes assume sua condição de “menina pobre”, sem sofrimento. Por insistência do pai na lavra do ouro e do diamante e suposta falta de tino comercial, Helena pertence a um ramo da família com menos prestígio e dinheiro. Mesmo assim sonha com uma vida melhor e nessas ocasiões costuma usar a expressão “fazer castelos”.
- Preza muito pelo núcleo principal de sua família. Sentimento amoroso pleno.
- Muito sensível ao comportamento social. Ainda aos treze anos registrou (dentro de sua ingenuidade) reflexões sobre as máscaras sociais (1893: 22 de abril)
- Arruivada e repleta de sardas, considera-se feia, apesar de saber que é a predileta de muitas pessoas na cidade, principalmente de sua Avó, mulher rica que a protege de todas as situações, em detrimento aos outros familiares, incluindo as demais netas e netos.
- O que a entristece, e às vezes a enraivece muito, são as “coisas malfeitas” ou “maldades”. (1893: 14 de março)
Marcas
acentuadas dos desejos e comportamentos
- Opção pela escrita, apesar das dificuldades na escola. O diário foi ideia do pai e exercício do professor de Português.
- Os vestidos de Helena 1893: 29 de agosto
- As risadas de Helena 1893: 18 de janeiro / 1893: 4 de dezembro
- As invejas de Helena ("Não estou bem certa se é mesmo inveja, porque a gente às vezes pensa que é uma coisa e é outra; ..." 1893: 25 de junho) 1895: 29 de setembro
- Raiva da escola (paradoxalmente, idealiza ser professora)
- Não admite que a vida seja sofrimento, apenas, como pensa a mãe.
- Alternância frequente de humor, mas firmeza de personalidade (a escrita afetiva e a escrita raivosa)
- Predileção pela Avó (referência, escape e defesa)
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osolharesdehelena.blogspot.com.br estudo da
obra de Helena Morley para o Intensivo Fuvest
Davi Fazzolari®
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